ENTREVISTA
O Prof. Doutor Manuel Sobrinho Simões explica que «todos os cancros são considerados doenças genéticas».
O Prof. Doutor Manuel Sobrinho Simões, director do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP), falou com a HematOncologia® sobre a ligação que existe entre a Oncologia, a Hematologia e a Genética. O investigador divulgou que 95% dos cancros são de causa ambiental. Torna-se, pois, necessário mudar atitudes e mentalidades para que o cancro não seja encarado de forma negativa. E sublinhou: «Portugal poderia investigar mais a origem das neoplasias da área da Hematologia.»
HematOncologia® – A Hematologia, a Oncologia e os genes estão interligados?
Manuel Sobrinho Simões – Sem dúvida. Todas as doenças oncológicas, quer seja por alterações genéticas somáticas (adquiridas pelo indivíduo ao longo da vida), quer por alterações hereditárias («herdadas» a partir das células germinativas dos pais), têm modificações genéticas que passam das células-mãe para as células-filhas. Em muitos casos, as modificações na estrutura dos genes das células somáticas são secundárias às alterações ambientais (ex. alterações genéticas do epitélio respiratório em fumadores).
HO® – Existem dados que comprovam que 95% dos cancros são de causa ambiental. Qual a razão para este facto?
MSS – É importante divulgar a influência ambiental na origem de cerca de 95% dos cancros humanos, apesar de se afirmar, também, que todos os cancros são considerados doenças genéticas na medida em que as células neoplásicas têm alterações genéticas (mutações) transmissíveis. Para além dos cerca de 95% de cancros que são de causa ambiental, há cerca de 5% que são de origem hereditária.
HO® – O aconselhamento genético deve ser usado em que circunstâncias?
MSS – Sempre que existe um cancro hereditário, isto é, um cancro familiar em que conhecemos o gene alterado que, herdado do pai ou da mãe, é causa do cancro, passamos a ter um instrumento de intervenção em termos de aconselhamento genético dos familiares do doente. É necessário alertar a população para o facto de que as medidas de prevenção e os exames necessários para fazer o diagnóstico precoce devem ser realizados de forma mais intensiva nestas situações.
HO® – Hoje em dia, ainda se justifica usar a palavra cancro?
MSS – Acho que não. Penso que já não devemos usar a palavra cancro, nem para os tumores sólidos, nem para os líquidos. Penso que os especialistas poderiam usar o termo neoplasia em vez da de cancro. A palavra cancro está muito negativamente associada no imaginário das pessoas. Durante muitos anos, os doentes consideraram-na como uma doença inexoravelmente fatal. Isto não é verdade, embora seja importante que a população entenda que, tanto nas leucemias como nos outros tipos de tumores, existem formas tratáveis e formas que são mortais.
HO® – Por que razão não temos mais investigação sobre linfomas e leucemias em Portugal?
MSS – No Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto não existe mais investigação nesta área por diversas razões circunstanciais. O trabalho dos nossos investigadores incide, sobretudo, nos cancros do estômago, da tiróide, da mama e colorrectal. Temos vindo, entretanto, a fazer um grande esforço para começar a trabalhar também na área da Hematologia Oncológica, pois, os modelos de investigação nos cancros sólidos beneficiarão imenso se soubermos o que se passa nos linfomas e leucemias.
HO® – Com o passar do tempo, considera que, a nível nacional, a investigação para a área da Hematologia tem vindo a evoluir?
MSS – Sem dúvida. Actualmente, nos Institutos de Oncologia e nos Hospitais Universitários existem bons profissionais ligados à área da Hematoncologia que fazem investigação de qualidade. Pessoalmente, acredito que é mais fácil progredir na área da Hematoncologia do que na Oncologia dos Tumores Sólidos. A Medicina Molecular também veio aumentar o interesse dos alunos pela compreensão dos diferentes mecanismos envolvidos no desenvolvimento neoplásico. Os estudantes de Medicina interessam-se mais pela especialidade porque, actualmente, já conhecemos a causa molecular de muitas patologias.
HO® – A investigação tem contribuído para obter resultados concretos para a cura do cancro?
MSS – Claro que sim. A maior parte dos cancros tem cura. No entanto, é importante esclarecer que, quando falamos de cura, temos de estar conscientes de que falamos, essencialmente, de controlo de uma doença crónica. Esta situação aplica-se tanto para os casos dos cancros líquidos como para os sólidos, embora seja talvez mais frequente nos primeiros, isto é, na área da Hematologia.
Curriculum Vitae
O Prof. Doutor Manuel Sobrinho Simões é professor catedrático e director do Serviço de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina do Porto, chefe de serviço no Hospital de São João e director do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup). É também professor de Patologia e Biologia Celular da Universidade Thomas Jefferson, Filadélfia, ex-presidente da Sociedade Europeia de Patologia e especialista em cancro da tiróide, patologia ultra-estrutural e patologia molecular.
(Excerto da entrevista presente no site http://www.jasfarma.pt/artigo.php?publicacao=HematOncologia&numero=3&artigo=2)
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